SEM NOME
Res, dia 13 de outubro de 2018
Estou falando de algo, o que é? Vou começar a escrever sobre algo, não que queira defini-lo, apenas balbuciar uma proximidade. O que tenho a dizer me diz bem antes e melhor, não usa meus termos para isto, prescinde da minha linguagem, desce uma tecnologia por debaixo da minha pele: desce, rasteja, líquido, umidade, sangue, escorregadio, viscoso, lamacento, pegajoso, assim é a coisa. Ela escorre por entre meus dedos. Vaza por entre as grades da minha vontade de expressá-la, escapa de minha sintaxe, invade territórios virgens e sem gramática alguma de mim, onde não tenho nome. Onde não me chamo ou atendo pelo nome que conheço de mim. Sendo assim não estou falando de um altar, nem de um desconhecido, estou falando de uma criatura fora da jurisprudência linguística de mim. Onde o que escrevo esconde a cada letra o que digo, marcando um lugar inencontrável de mim, um lugar que nem a morte sabe que existe, portanto este lugar não morre porque não pode ser achado. ( está fora mesmo da alçada da fé ) Seu acesso é impossível, intransitável, a rigor não é dado de forma alguma, não há escrita suficiente para achá-lo. Não há meios disponíveis nas ferramentas atuais que me cabem, infiltrei um espião em mim mesmo para articulá-lo e ele se escondeu na minha própria vontade de expressá-lo. Não quero voltar ainda, não quero retornar, não posso retornar, tenho que prosseguir tentando o impossível, sei que é terminantemente inútil, soberbo de mim que insiste em nomear a coisa que se apaga a cada letra, a cada vogal, por outro lado há também a cada letra a insistência da criatura em se fazer presente neste texto, um rastro seu fica invisível porém sinto seu cheiro indetectável de criatura ainda selvagem demais para este tempo, seu gosto de sangue ainda proibido, seu rastro indeferível. Com meus modos rudes, meus meios insuficientes, minha linguagem rudimentar, me movimento demais nesta busca tão silenciosa, no meio da noite, silenciosa e vazia, empaco na tentativa inútil de dizer, migalhar um dizer sobre a coisa, ela reclusa, mal me olha, ainda que esteja incomunicável, sua língua se dissolve assim que ela se pronuncia. Matéria viva de um organismo que não tenho como reconhecer, reconhecê-lo seria admitir que o eu existe e não sou eu.