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Mapeamento de alguns pontos fundamentais sobre a cabana Frei Otto de Res na FAMA em Itu

Anna israel

5 de setembro de 2018

Esboço de questões fundamentais que envolvem a

Cabana Frei Otto

enquanto objeto de arte contemporâneo.

 

 

  1. O “Frei Otto” da Cabana: homenagem a um arquiteto alemão que desenvolveu uma tecnologia específica para estruturar uma forma. Como a Cabana, Frei Otto não tinha interesse em desenvolver uma forma, isto é, sua pesquisa não se trata da fundação de um objeto finalizado, não se trata de um percurso para finalmente chegar a uma forma, mas quase que ao contrário, a forma serve como engate, como dispositivo para que uma tecnologia, uma estrutura seja criada. Frei Otto quis desenvolver uma estrutura que fosse capaz de sustentar, por exemplo, a leveza e a impermanência de uma bolha de sabão flutuando no ar. RES me parece estar querendo constantemente com sua obra, e com suas 20 cabanas, criar uma estrutura possível que possa sustentar a contradição do homem – de forma não determinística –, criar uma estrutura capaz de sustentar o nosso estado de constante movimento, o estado de impermanência do homem, criar uma tecnologia para uma forma que abrigue o homem, porém não o aprisione, um respiro para um ser já aprisionado; uma estrutura possível para ser a morada de um ser humano. Nesse sentido, a estrutura-morada não se trata da Cabana enquanto objeto, enquanto algo que habitamos, mas a Cabana se torna o display para a estrutura na verdade do próprio homem: a Cabana em questão não é a obra supostamente finalizada, mas a obra é uma atmosfera; a obra me parece um dispositivo para que a Cabana de cada um seja construída.

  2. Aspecto político da Cabana, isto é, a obra como um espaço-dispositivo que gerencia e governa a partir das próprias leis que aquele espaço instaura, a partir, inclusive, de uma carência espiritual que vivemos. Por isso, há aqui uma reunião essencial entre a política e o espírito. Sobre sua construção, por exemplo: 15 jovens passaram a semana inteira construindo a Cabana, em teoria enquanto “assistentes de um artista” (foi uma fala que ouvi mais de uma vez nesses últimos 4 dias). O que há de profundamente interessante na própria manobra da Cabana é que esses jovens, através do dispositivo da Cabana, estavam trabalhando na verdade para eles mesmos, estavam construindo não a Cabana de Rubens Espírito Santo na Fábrica de Arte Marcos Amaro, mas iniciando a construção de suas próprias Cabanas. Aqui me parece que há uma política realmente direcionada para o outro, sem a ingênua ideia de um altruísmo, mas entendendo o outro como na verdade um modo de acessar a si mesmo.

  3. Ao não estar interessado na forma, mas no desenvolvimento de uma tecnologia que possa sustentar uma forma, posso concluir aqui que há claramente uma superação de uma arte moderna que se apresenta, apesar de fingirmos que não, ainda não superada até os dias de hoje. A Cabana é o início de algo; é uma obra que não se finda em si mesma, não existe como sua própria finalidade. O que quero dizer com isso: há aqui um esgotamento da ideia da mídia, ou ainda, aqui o esgotamento da mídia não é a finalidade do trabalho de arte. Rubens, com a Cabana, claramente não está interessado com uma questão “autoral”; a ideia do “novo” não está circunscrita na “novidade da mídia,” mas o novo está justamente em entender que um procedimento, uma epistemologia, um approach com o fazer tem que ser outro – um tipo de approach foi esgotado com a arte moderna, inclusive foi esfaqueado por Duchamp, ainda que não tenhamos inferido sua obra com sucesso até hoje. Mas, com isso, vejo a Cabana como uma possível inauguração disso que chamamos do “contemporâneo”, isto é, o início de um caminho sem estar carregando um peso morto nas costas. A Cabana é fresca. A Cabana não tem rabo preso, tem sua “ficha limpa”. A mídia, no caso, instalação, pintura, escultura, fotografia, desenho, na Cabana é somente um recurso – a mídia é somente uma tecnologia para que algo seja possível, para que algo possa ser consumado, para que a obra de arte volte a ser consumada, e não consumida pela carência daquele que se coloca na posição de espectador e quer obter algo dela.
     

  4. Consumir x consumar. É apresentado um dado bastante significativo sobre o modo estéril com que nos relacionamos hoje em dia com o objeto de arte. Não parece haver mais um envolvimento visceral com o objeto.

    A cabana apresenta uma solução para uma relação obsoleta da “obra x espectador” com o sujeito. A cabana destrói o nome “espectador” daquele que se relaciona com ela, e dessa forma ela obriga que outro nome seja inventado, ainda que não saiba dizer que nome é esse, a relação de “obra x espectador” é defasada com a existência da Cabana

O próprio display do museu me parece obsoleto. Mas quais são as possibilidades para uma cultura ocidental de transcender o display obsoleto do museu? A Cabana me parece uma solução para essa questão onde, apesar do trabalho estar supostamente instalado em uma fundação de arte, ele provoca a própria concepção do que é uma fundação, provoca o acervo, provoca os demais artistas, intimando aquele que passa por ela a conhecê-la, e não a entendê-la. Ou seja, a Cabana se torna um outro não necessariamente excluído do sujeito, mas um outro do próprio sujeito que ele pode vir a conhecer. A Cabana, apresenta uma manobra muito interessante enquanto ruptura de uma ideia cindida de “arte ocidental” e “arte primitiva”. Não há quem negue que esta obra está inserida no contexto da estética ocidental, isto é, podemos inferir que Rubens assimilou a história da arte ocidental. Mas em termos de acontecimento, de display, da relação sujeito x objeto de arte, a Cabana me parece travar uma relação, ou implicar uma relação com o sujeito, muito próxima da relação sujeito-obra dos objetos de arte primitiva, onde o objeto de arte está a serviço de algo muito maior que ele, está a serviço de um acontecimento.

  1. Ressignificação da ideia de “dentro e fora”. Rubens leva essa questão para um lugar bem pouco literal ou alegórico, onde a Cabana não se trata de um espaço que está dentro da fábrica, mas consegue transvestir a fábrica para que a fábrica passe agora a estar dentro da Cabana. Rubens sutilmente revela, através de manobras plásticas, espaços externos à suposta “Cabana”, fazendo com que, dessa maneira, fique ambíguo qual o espaço mesmo que nos referimos quando nos referimos à Cabana. É provocada essa relação de avesso com a fábrica e em última instância, de avesso com nós mesmos, expondo o sujeito à ele mesmo e às suas carências.
     

  2. Construção por negatividade: hoje não há mais lugares possíveis para serem construídos, ao menos não na epistemologia do que é uma construção que havíamos no passado. Em um beco sem saída ou você morre ou você inventa uma saída. Segundo o filósofo Giorgio Agamben, a única saída para construirmos algo hoje é através da negatividade. Nesse caso, pequenos detalhes da fábrica, do espaço, da própria estrutura da Cabana são evidenciados não de forma construtiva, mas através de uma desconstrução de algo: apagando um elemento, outro elemento pode ser evidenciado. Há uma parede inteira composta com buracos que foram preenchidos com massa corrida, e bem no topo da parede, pedaços de madeira, madeira bruta e uma madeira pintada de preto. Como não há como competir com o construtivismo russo, através do display do construtivismo russo, RES, através de um pequeno foco de luz apontando para essa parede supostamente irrelevante, faz uma homenagem imediata aos seus mestres, àqueles que o conduziram pelo caminho da plástica quando jovem – aqui há uma construção através da negatividade.
     

  3. Retorno de uma ideia de arquitetura enquanto a construção do espaço interno de um sujeito através da construção de sua habitação, onde sua habitação não é o espaço onde ele dorme, mas é o corpo que ele mora.

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