CREMATÓRIO 5
RUBENS ESPÍRITO SANTO
24 de junho de 2018, Belém do Pará
Dois homens muito rudes, aguardam em silêncio a cerimônia acabar no Crematório número 5.
Não há nada para pronunciar sobre Deus ou sobre a morte, sobre amigos de verdade ou inimigos
Aqui, como agora, a tarde cai
As últimas nuvens desaparecem
Os carros se afastam, a solidão
Erodidos nossos ossos todos
Memória escassa de um tempo
Que em absoluto se foi para sempre
Retorna minha meia irmã
Retorna minha mãe que tinha
Se ido da maternidade
Em meio ao nevoeiro - pressinto
A chegada da tempestade, minha
Lida nem começou aqui
Que lugar é este que desaparece sob, meus pés, ainda virgem contemplo o mar que não existe
Minha sina cega me guia
Me afasta dos perigos
Me protege do que nem mesmo sei
Ela, Sarah, viola meus membros
Fraturados, invento forças que não tenho, para prosseguir com este
Lamento de meu sonho irresoluto
Nome sagrado que não ouso tocar
Caixa de minha herança, vingança
Cor de prata, Horizonte, ossip,
Cadela de cinta liga, não sei de ontem, hoje vejo o amanhecer
A janela fechada abre-se em sonhos, que nunca pude suportar,
Inveja-se a maçaneta da porta que
Abre a fechadura do vizinho, enquanto, a minha tranca se esvai,
Como um cachorro pulguento
Deixei a peteca cair em cima do fogão de lenha, minha manga da camisa é branca como neve
Seus cabelos longos até o joelho, ela arrasta seu xale pelo chão
serei um novelo em suas mãos?
Teço meu melhor argumento
Pois não sei o dia de amanhã
Nem mesmo sei seu nome
Que importa, o nome para quem tem a carne, veja bem o olho por olho, invade a Terra Santa
Manuscrito, orelha em cima da mesa auscultando o porvir, soçobrando o som mudo de quem
Se cala, quando devia pronunciar o nome divino que lhe cabe nesta existência encurtada: caibo-me.