top of page
Camada 1.png

CREMATÓRIO 4

24 de junho de 2018, Belém do Pará

 

 

Estou no meu próprio funeral, seco, uma ou duas pessoas, sei que preciso morrer, sem minha morte não pode ter eu sem eu. Sem ser morto em vida não sou artista. Meus ossos mais miudinhos precisam ser reinventados um a um. Agora sei que escrevo de um lugar bom. Um lugar puro. Um lugar meu. Vejo a urna com meu corpo entrar na cripta fumegante, o vivo do Morto resistiu o quanto pode, estrebuchou, não queria morrer de forma alguma o de mim que não podia mais viver, colado a mim queria me invalidar, me expurgar, me eximir de mim, a luta é afiada, adiada, até não poder mais, perdemos muitas vidas neste jogo crucial entre ser e não ser, entre eu e não eu, entre a coisa viva e a coisa morta, a coisa morta quer viver em mim, ainda defendo o morto quando penso que estou vivo, saco de morte ambulante, não estou vivo, não estamos vivos, a vida se conquista numa luta renhida, numa incandescente, numa luta mortal onde sou escalpelado ao meio dia na arena pública de meus jurisconsultos mais mordazes, homens cruéis que vieram aqui apenas para esta tarefa, profissionais altamente qualificados, implacáveis, um paradoxo de mim, depois de minha pele removida, minha carcaça sangrenta é atirada ao chão de minha vida futura, tenho que levantar e reconstruir minha pele, em pleno movimento desesperador de ser um que nunca imaginei.

bottom of page